domingo, 27 de abril de 2008

Só agora a mídia dá destaque ao óbvio: a menina Isabella não é a única criança brutalmente assassinada no Brasil!

Isabella Nardoni (18 de abril de 2002 - 29 de março de 2008) - In Memorian.


Após inúmeras matérias abordando incessantemente o assassinato da menina Isabella Nardoni, o programa dominical da Rede Globo de Televisão, Fantástico, "revelou" que a cada dois dias, cinco crianças são vítimas de homicídio no Brasil e que, no mesmo dia da morte da criança publicizada do momento, outras quatro foram mortas de maneira semelhante. Porém, alguns questionamentos vêm à tona. Onde estávam os casos dessas crianças? Quem são elas? Quantas matérias "jornalísticas" foram feitas sobre elas? Suas mortes causaram o mesmo impacto e furor que o da menina Isabela?

É intragável a "inocência" da televisão brasileira. Com destaque à Rede Globo, que veiculou a matéria, teoricamente, reveladora, acaba comprovando um fato amargo: a aparente falta de interesse da maioria dos meios de comunicação de massa na elucidação desse(s) caso(s); o não comprometimento ético-social; por fim, a não difusão clara desse conteúdo.

Alguns pontos corroboram estas afirmações:

Numa matéria de cerca de cinco minutos (largamente distante da duração da entrevista veiculada no domingo anterior, também no Fantástico, com Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, respectivamente pai e madrasta da menina, que durou aproximadamente 35 minutos - sem contar as incurssões do tema durante todo o programa) a revista eletrônica expõe que, no mesmo dia da morte da menina, mais quatro crianças também morreram em casos semelhantes. A seguir, o program apresenta casos de outras crianças de diferentes partes do país. No entanto, um detalhe me deixa chocado. Todas as crianças mostradas são de notável ascendência afro-brasileira, do subúrbio de cidades interioranas e de classe baixa. Depois de várias semanas abordando enfaticamente o crime contra Isabella, o que isso comprova? Que morte de criança pobre não vende anúncio publicitário!

Existe alguma outra teoria para que um panorama desses, tão alarmante fosse divulgado apenas hoje, depois de tanto tempo de extração e exposição de um caso de ordem gravíssima, porém apropriado de maneira abusiva e irresponsável pela mídia, coincidentemente após o caso Isabella estar praticamente concluído (a história renderá algo após revelados o (ou os) assassino?), senão por conveniência do momento? Não acredito que exista!

Dia após dia fomos bombardeados por reportagens, notas, especulações, comentários e entrevistas (só faltou o Papa opinar) sobre o agora quase que solucionado homicídio. O país inteiro se comoveu. No momento, não existe nenhum outro assunto em pauta. Nada mais tem importância. Por acaso a corrupção no congresso foi extinta? A dengue no Rio de Janeiro (e em outros Estados também) não é mais um tema preocupante? Outros crimes tão ou mais aterrorizantes não aconteceram neste período? O país parou e abriu os braços para a resolução do caso dos Nardoni. E a mídia, com um belo sorriso, presumo, debruçou-se com prazer sobre o caso e nos entorpeceu até o estado de transcedência (pura?).

É muito triste ver a que ponto chegamos (mídia e sociedade). De forma egoísta e gananciosa transformamos uma tragédia numa forma de espetáculo e numa roda de discussões de final de expediente. Com certeza a população ficou comovida com esse crime abominável, porém ela caminha como cúmplice desse controle midiático de opiniões e percepções.

Alguém ainda duvida que um dos objetivos da Rede Globo na entrevista da semana passada, quando o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, apresentaram livremente sua versão dos fatos, era sedimentar dúvida nos telespectadores sobre se o casal teria ou não cometido o crime, tentando estratégicamente fazer com que a história perdurasse por mais tempo e, conseqüentemente, conseguir mais anúncios publicitários, enchendo assim cada vez mais seus cofres? É fato que nós (espectadores) consumimos cegamente o que nos é mostrado pela mídia, não importando o canal de notícias (porém a Rede Plim Plim é certamente a que ainda promove maior influência).

Pois bem, felizmente o caso vai chegando ao fim. Em breve a notícia do momento será o início das Olimpíadas em Pequim e a simpatia do povo chinês. A menina Isabella Nardoni será esquecida (pela mída e, principalmente, por nós) após a abertura da novela das oito. Voltaremos a nossas vidas e a nossa rotina. Contudo, quando isso ocorrer, aquelas crianças que tiveram cinco minutos para mostrarem que existiram na matéria "denúncia" de hoje do programa Fantástico permanecerão sem ser notadas e muitas outras nem sequer serão citadas (imagine citadas em horário nobre).

O programa Fantástico disse que a cada dez horas uma criança é morta no Brasil. Fato. Contudo, uma pergunta não mais me intriga: nós nos importamos e nos comovemos com isso? Com certeza... mas só se passar na TV (e, claro, antes da novela).

Vídeos:

Entrevista dada pelos pais de Isabella Nardoni ao programa Fantástico no dia 20/4/2008.

Parte 1.
Parte 2.
Parte 3.
Parte 4.


Compacto.

* Todos os vídeos foram extraídos do site youtube.

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